8 de agosto de 2007

Má compreensão ou falta de conhecimento de mundo?


“Uma banda de Rock satânico chamada AC/DC”. Foi essa a frase de ênfase que ouvi num canal pago sobre a influência do satanismo no Rock and Roll. E o que mais me chamou a atenção nem foi o fato da frase “banda de rock satânico chamado AC/DC”, mas o fato do locutor falar AC/CD bem “portuguesado” (sim, o locutor não falou “ei-ci-di-ci”, o que é o certo, mas a-c-d-c mesmo). Agora fale: “a banda de rock satânico chamada a-c-d-c”. Tudo bem, pode rir! Eu também ri e meus amigos também riram quando ouviram. É como a professora te ensinou na primeira série, não é mesmo? O que mais me chamou a atenção nem foi apenas isso, mas como as pessoas conseguem enxergar tudo além de seus olhos... além até demais, ao ponto de encontrar um ser (ou entidade, sei lá o quê) chamado Satanás nas músicas. E encontram o camarada até rodando o disco ao contrário, mas muitos deles nem precisam ser exatamente de “uma banda de Rock satânico”. Pegue um Balão Mágico por exemplo e não dormirá por três noites seguidas.
Então cá estou para comprovar que o Diabo realmente não é o pai do Rock e nem foi feito
de má fé. Ouso-me a contrariar o filósofo Raul Seixas, mas acredito que até ele concordará comigo.
Bom, vamos ao que interessa: essa idéia em escrever alguma coisa relacionada a isso
(entenda se for capaz) foi através de uma entrevista que um locutor de uma rádio fez a um baterista de uma banda brasileira de Rock and Roll da época em que nossos pais lutavam pelos Diretas Já. Esse mesmo locutor pergunta a opinião do músico sobre a energia que o “rock satânico” transmite. “De que raios veio o vulgo o Rock Satânico?” assim pensei. É, segundas as minhas informações, a primeira banda que falou sobre satã no Rock and Roll foi o Rolling Stones com a música Sympathy For The Devil (e olha que pensei que fosse Black Sabbath...). Mas antes de chegarmos ao “Rock Satânico” e outras coisas mais, vamos por partes...
Um pouco de história para compreender os fatos:
O “satanismo” virou “arte” no século XIII através de um poeta simbolista francês que, por
sinal, um amante de gatos como eu chamado Charles Baudelaire em um poema seu chamado
Liturgias de Satã. Meu Deus! Se minha avó ler esse poema, terá um troço! Mas a velha coitada nem saberia que o poeta francês era de uma escola literária chamada “Simbolismo” (deveras... minha avó nem sabe ler...). Então, se for simbolismo, podemos dizer que os poemas de audelaire são cheios de... símbolos? Claro! Por que não? Agora mato a pau que Baudelaire não adorava o Satã: o que Baudelaire fez na verdade era uma comparação simbólica. O Diabo, como todos sabem, foi um anjo caído, expulso do paraíso, sendo assim, foi Deus quem o expulsou, quem o chutou os fundilhos para que ele caia fora por se sentir traído. Assim aconteceu com os poetas da época que foram chutados da sociedade por serem taxados de “vagabundos”, “boêmios”, “devoradores de ópio”, e por aí, embora os mesmos não sejam traidores da sociedade. Ou seja:


poeta – Diabo
sociedade – Deus


Agora te pergunto: Baudelaire era satanista? Não, né? Baudelaire era amante de gatos e,
claro, foi o cara que ajudou Edgar Allan Poe a se erguer, cujo também foi um “pobre diabo” chutado da sociedade. Tente pesquisar a história dos grandes poetas e descobrirá que 90% deles
foram banidos pela sociedades e tiveram uma vida de filho da puta. Infelizmente só foram reconhecidos pela sociedades (e estudados) pós mortem. Daí vem o significado da palavra “elogio”, mas não estou a fim em entrar em detalhes sobre etimologia da palavra porque fugiremos do assunto.
Outro cara que foi chutado pela sociedade porque o “puritanos” pensavam que era satanista
foi um filósofo alemão chamado Friedrich Nietszche. O cara teve a audácia em escrever um livro
chamado O Anticristo. Não leu? Pois você que não leu ou nem procurou saber sobre esse livro, vai taxar um puta livro satânico. Mas, pasme: não é. O que Nietzsche diz neste livro é uma grande e rasgante crítica ao cristianismo. Não, ele não fala mal de Deus, de Cristo, não usava cruz invertida (que é outra bobagem), não colocou o nome de seu cãozinho de Satanás como a Bruxa do 71... nada disso! Nietszche critica o Deus que o homem prega, ou melhor, como o homem assimila a imagem de Deus aos fiéis daquela época. E para falar mal de algo (na minha modéstia opinião), é preciso conhecê-lo antes. Nietzsche sabia muito bem o que criticar, pois ele estudou teologia. E se alguém desconhece o assunto, acha que a pessoa que lê esse livro de Nietzsche tem raiva de Deus e de todas as coisas divinas (bom, meu namorado foi uma vítima, pois recebeu educadamente um dedo do meio de uma evangélica que o viu lendo esse livro). A pessoa que critica o que NÃO CONHECE, no caso, o livro de Nietszche, está cometendo um erro gravíssimo, o mal que todos os homens comentem e sentem preguiça em mudar. Depois que Lutero concebeu a bíblia traduzida aos homens (Nietszche diz sobre isso muito bem nesse livro) o homem começou a interpretar a bíblia de sua maneira e traduzir a sua maneira. Lutero, o que é de se supor, também traduziu a sua maneira, o que Nietzsche o chama de culpado de tudo isso. Então Nietzsche era satanista? Não. Acredito eu que o filosofo foi ateu e sendo ateu, nem em Diabo acreditava, mas detestou o modo em que o homem colocava a imagem de Deus aos fiéis, um Deus mal, um Deus em que todos devem temer. Temer mais a Deus que Satã.
Agora partimos ao Rock and Roll, mas antes, eu quero fazer duas comparações para que
comprove a minha teoria:
Jim Morrison, grande líder da banda The Doors, que por sua vez engolia Baudelaire e
Nietzsche também foi uma vítima da má interpretação do público. Numa apresentação num bar
chamado Whisky a Go Go em 1966, ele gritou ao cantar a canção The End pela primeira vez:

Papai, eu quero te matar
Mamãe eu quero...TE FODER A NOITE INTEIRA!!!


“Vixe Maria, que horror! O cara matou o pai para foder com a mãe? Mas que história é
essa?” Depois disso, os caras da casa noturna da Califórnia nem quiseram saber daquele “incestuoso cantor da Florida” e expulsaram a banda na mesma noite. Jim Morrison percebeu que ninguém lera Édipo Rei de Sófocles e ficou chateado por ninguém ter entendido a sua mensagem. Está certo que, sagitariano como ele é, acabou passando dos limites, mas ele sim, quis falar sobre Édipo Rei da sua “maneira Jim Morrison de ser”. Então Jim Morrison matou o pai para transar com a mãe? Claro que não, dããããããããã... Ele apenas citou Édipo Rei na música e nada mais.
E tem o inverso... O grande Raul Seixas foi na Rede Globo de mil novecentos e oitenta e
tantos para cantar a música O Carimbador Maluco. Eitcha! que as crianças pulavam, brincavam,
dançavam e gritavam Plunct Plact Zum ou as mães cantavam para os pequenininhos... mal sabe o povo que Rauzito estava metendo o pau na política brasileira que estava na época da ditadura. As crianças estavam criticando sem saber, mas dançavam e cantavam. Naquela época quem
contrariasse a política apanhava, mas as crianças cantavam Plunc, Plact, Zum com o Raul sem
apanhar da mãe. E mais: a política achava uma gracinha. Uma pena que Rebeldes não tem essa
mesma idéia.
Sobre satanismo (sem fugir da idéia do texto), a banda de Rock Satânica chamada AC/DC
(insisto em falar a-c-d-c e não ei-ci-di-ci só pelo motivo da voz do locutor ficar martelando na
minha cabeça por muito tempo) foi uma das injustiçadas por causa de alguns fatos que inventaram: uma delas foi por causa de uma música chamada Highway to Hell que, traduzindo, seria Estrada para o Inferno. Porém... preste bem atenção... a “estrada para o inferno” que eles falavam não se referiam ao lugar do “tinhoso”, mas uma turnê em que eles fizeram. Então o “inferno” era, na verdade, um... digamos... símbolo. É mesma coisa que falar “esse menino é um capeta” sendo que o menino nem tem chifres, nem tem rabo e tampouco brinca com tridente. Agora o mais engraçado é sobre o nome da banda. Uns falam que significava “Antes de Cristo / Depois de Cristo”. Mas como pode ser “Antes de Cristo / Depois de Cristo” se a banda é australiana, um país de colonização inglesa? Senão, seria “AC/BC”, no caso “After Christ / Before Christ” . Daí uns evangélicos em seu tempo ocioso abusaram da sua criatividade, taxaram que significava “Anti Christ / Death Christ”. Minhas salvas de palmas para tamanha criatividade! Poxa! Mas sente e chore: AC/DC NÃO TEM NADA A VER COM NOME DE CRISTO NO MEIO! Foi apenas uma inspiração dos irmãos Angus e Malcom Young que tiveram ao ver a tomada do aspirador de pó da irmã deles. Então, meus amigos, parem, por favor de falar um absurdo desses sobre “a banda de rock satanica chamada AC/DC” (e, pelo amor de Deus, falem EI-CI-DI-CI).
Agora quer ir além disso? Vamos chutar o pau da barraca? Vamos falar daquela banda tão
famosa chamada Slayer. Sim, sim, aquela banda que tem a capa de um Cristo todo deformado, sem cabeça, esquartejado, numa lama fedorenta, sendo lambido, bem sacana, bem... satânico! Tá! E aí? Bom, aqui coloco o meu ponto de vista: quando eu era adolescente, conheci um carinha (que era uma coisinha muito fofa... digo, digo...) que era filho de pastor. Ele me disse de tinha um livro escrito por uma americana ex-sacerdotisa satânica (nos EUA tem muito disso, nem tem como se assustar) e numa parte desse livro falava sobre o tal Rock Satânico. A banda alvo: Slayer. Por quê? Porque muitos americanozinhos começavam a adorar Satã após ouvir as músicas do Slayer (bah! Os jovens americanos matam os seus colegas jogando Super Mario World!). Ela mesma jurou que acompanhou essa banda numa turnê e percebeu que os membros da banda usavam esse assunto satanismo como uma forma de marketing e que eram pessoas comuns. Acho que ela pensava que eles matavam galinhas pretas, iam em encruzilhadas para falar com o “dito cujo” (imitando o grande blueseiro Robert Johnson, onde reza a lenda que ele vendeu a alma para Satã para tocar Blues. Desse jeito seria muito fácil tocar um maravilhoso Blues como ele tocava). Eu vejo a banda Slayer como uma mistura nietzscheriana ao criticar a sociedade em si, tanto o cristianismo como a sociedade em geral. O Slayer chega ao ponto do exagero justamente para “chocar”, um modo rápido e fácil para chamar a atenção do público, assim como Morrison fez no Whisky a Go Go. Eu mesma duvido que os caras adorem o Diabo, pois não vi nada disso em suas músicas. Então, eu resumo a ópera que Slayer é uma salada de Nietzsche + Morrrison + Baudelaire + eles mesmos. E tenho a certeza de que grandes bandas desse gênero trash, doom, death, black e metal em geral, dos mais grotescos e assustadores possíveis, aplicou essa filosofia em suas músicas: vamos chocar para chamar a atenção do público, embora nossas canções não são para Satã, vamos criticar os “puritanos” que se dizem “puritanos” e roubam o dinheiro de seus fiéis em nome de Deus. Ahá! Agora danou-se! Mas eu não estou muito a fim em criticar certas igrejas que eu mesma freqüentei onde os bispos foram presos em Miami porque seria uma outra história. Então, se eles roubam, estupram, sonegam, por que o satanismo fica por conta do Rock and Roll? Onde está o amor deles que Jesus tanto pregava? Deixa para lá. É como o pastor fala: a vida é deles, né? A igreja é de Deus e não deles... Papo de vendedor.
Queria falar sobre o Black Sabbath mas seria papagaiar demais. De qualquer jeito, falaria
que Black Sabbath não é banda satânica por causa do nome (“Sabbath” é um encontro de bruxos e, como sabem, bruxaria não é uma religião voltada ao satanismo, mas uma seita pagã), que N.I.B conta a história do Lúcifer apaixonado por uma mulher (com o um ser carnal), que Ozzy comeu morcego sem querer (o tonto achou que era de plástico) e que a música Mr. Crowley é, na verdade, uma crítica ao bruxo Aleister Crowley. Mais alguma coisa? Acho que basta! Também tem o Led Zeppelin só porque o guitarrista Jimmy Page comprou o catelinho do Aleister Crowley na Inglaterra (da mesma forma que ele comprou uma casa na Bahia e não virou dançarino de Axé), enfim! Não curto papagaísse!
E só mais uma coisa: na minha concepção, uma pessoa que se influencia por uma bobagem
tão grande (como os americanos que viram satanistas ao ouvir Slayer ou matar seus amigos da
faculdade com uma carabina ao assistir Família Buscapé) precisa urgentemente de um psiquiatra, psicanalista, psicoterapeuta e alguns especialistas em psicos da vida ou precisa levar uns tapas da mãe bem no traseiro para deixar de ser Zé Mané.
Aqui termino meu relato: fique sossegadinho e escute suas “bandas de Rock Satânico”
porque de satânico tem absolutamente nada. O Rock and Roll, graças à Deus (e digo isso mesmo)
veio do berço Beatnik, onde poetas e literatos estavam de saco cheio e meteram as bocas para
criticar e falar o que realmente sentem. O Rock and Roll é tudo isso: é a crítica, a contracultura, é
um “chute no traseiro de Deus”, mas naquele Deus que os homens interpretam, naquele Deus que permitiu que os Bispos roubassem o dinheiro dos Teus filhos, naquele Deus que deu iate e casa luxuosa a um outro bispo... é NESSE DEUS. E não no outro Deus que, para mim, são as árvores, as flores, os rios e as pedras. Para os amantes de Rock and Roll, como no meu caso por exemplo, usando a frase do grande poeta Alberto Caeiro: pensar em Deus é desobedecer a Deus.
E roubar também é desobedecer a Deus.

Tatiane Alves Novo

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