18 de agosto de 2007

Uma parte do meu livro:

(...) Demorei um bom tempo para limpar meu pequeno espaço, colocar cada lugar em seu devido lugar para sentir-se bem com ele. Então, meus pensamentos tomaram outro rumo. O único mal em estar solitário é quando o passado retoma ao consciente e junto com ele, a raiva, as mágoas, o passado fedendo a mofo e cheio de buraco que as traças roem. Acho que tenho apenas isso para dizer...

Saí para fumar um cigarro. Deparei com a minha vizinha temporária, sentada na porta de seu quarto, lendo atentamente um enorme livro. Era domingo. Dia quente pr'aquele começo de outono. As folhas do pé de nêspera sujavam o pátio da pensão de dona Rosinha. Tédio. O maldito tédio de domingo, como sempre. Nem a vizinha roqueira, que tinha como costume ouvir Pink Floyd nesses momentos de tédio estava animada para o seu Rock matinal. Injuriado com o tédio (pelo tédio), tomei a vassoura, desci as escadas, pensei e comecei a varrer lentamente o pátio, parando para dar uma baforada no cigarro. O barulho das folhas secas me agradava instantaneamente, como se fosse o barulho das águas ou tocar na terra, algo assim místico. Em poucos instantes, varrendo aquele pátio, comecei a limpar as folhas secas da minha mente, passando uma vassoura, limpando o passado que cheira a mofo e que tem buracos de traças. Aliás, não pensava em absolutamente nada além em deixar meus ouvidos atentos ao barulho suave das folhas secas, como uma hipnose, num transe, numa meditação, num passe de mágica, numa terapia maluca e psicológica... varrer folhas secas...

Os povos antigos, principalmente os gregos, ressaltavam o tempo como o nosso bem mais precioso. Talvez seja esse tal motivo que passou na minha cabeça em varrer o quintal. Sêneca diz sobre a grande importância do ócio em nossa vida. Digo o ócio citado pelos gregos, o que é diferente da monotomina. O homem moderno, como eu por exemplo, não consegue separar um tempo para o ócio, para pensar em si mesmo e para produzir. O mal dos nossos tempos modernos é: acordar cedo, pegar ônibus lotado, trânsito parado por horas e horas, trabalhar feito um cavalo para chegar em casa à noite, tendo apenas um tempo para tomar banho, jantar, dormir ou, quem sabe, assistir um telejornal antes de dormir... Isto é, se não dormir antes do telejornal acabar... Isto é, se o telejornal não começar depois daquele terrível programa de comédia apelativa que passa às dez da noite e, assim, se programar para um fim de semana chato com uma “espetacular” programação de domingo. Isto é (e muitos isto és) se eu não trabalhar aos sábados também. Depois voltar à monotomia... Depois fazer dívidas! Sim! Para pagar no fim do ano por causa do 13º salário ou gastar nossa suada grana em farta mesa de fim de ano ou presente caríssimos de última geração ao sobrinho querido. E, claro, voltamos à monotomia de acordar cedo, pegar ônibus lotado, etc, etc...

O homem, hoje em dia, não tem tempo nem para pensar. Geralmente os que tem tempo são os desempregados que ficam de cabelo em pé para procurar um novo emprego.

Mas, tudo bem, estou começando a me acostumar com isso, com a curta memória dos meus poucos tempos de alegria que passa. Engraçado... parece que o tempo da alegria sempre passa numa velocidade incalculável. A tristeza pára o tempo. A solidão, também. Tristeza não tem fim / felicidade, sim... já dizia a canção.

Não, não gosto da solidão. Acho que levo a sério demais a frase “cabeça vazia, oficina do demo”... Até por isso que escolhi varrer o quintal. Será? Detesto ficar deprimido a toa...

E por essas e outras, varrendo o pátio da pensão de dona Rosinha é que começo a pensar... A dar uma baforada no cigarro. Preciso parar de varrer ou parar de pensar?" (...)



Segunda parte do livro "O Cachaceiro", nas palavras do meu personagem Edgar, inspirado numa pessoa muito querida por mim.

(Como faz a porra do itálico?)

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